domingo, 14 de fevereiro de 2010

Nascer não é pecado

Triste dor do desalmado, desanimado, livre porem enjaulado.
Triste dor do solitário, que tanto quis sorri e em troca foi apedrejado
Varado por veneno de lanças invisíveis, lançadas pela sociedade
de aberrações encapuzadas que se sentem intangíveis;
Coitado diria vós, ao ouvir minha voz de angústia
Coitado diria vós, ao ouvir minha voz de agonia
Coitado diria vós, porem garanto, nada faria

Me encontro sozinho, com minhas chagas em pensamentos;
A dor patrulha minha vida para que sempre viva em tormento;
Se maldição é não sei, a meu ver não errei, que mal maior poderia
ter feito eu, somente nasci e desde que me lembro sobrevivi.

Nem chorar posso, pois minhas lacrimais secadas estão;
Choro desde que nasci, juntando dores inundaria sertões
Apenas lamento, poderia ser eu um grande homem, se não fosse um perdedor;
Marcado pela diferença, que para os homens é motivo de horror

Digo-lhe eu, agora em meu limite me encontro;
Vejo-me em terceiros fingindo tudo isto ser um conto.
Me nego a ser eu mesmo não eu poderia ser aquele velho nojento.
Que dorme sozinho na chuva ao relento;
Pobre moribundo, lamento por ti que não se nega a aceitar o jornal trazido pelo vento

Vida é sonho (Monólogo de Segismundo)

Ai de mim, ai, pobre de mim!
Aqui estou, ó Deus, para entender que crime cometi contra Vós.
Mas, se nasci, eu já entendo o crime que cometi.
Aí está motivo suficiente para Vossa justiça, Vosso rigor, porque o crime maior do homem é ter nascido.
Para apurar meus cuidados, só queria saber que outros crimes cometi contra Vós além do crime de nascer. Não nasceram outros também?
Pois, se os outros nasceram, que privilégios tiveram que eu jamais gozei?
Nasce uma ave e, embelezada por seus ricos enfeites, não passa de flor de plumas, ramalhete alado quando veloz cortando salões aéreos, recusa piedade ao ninho que abandona em paz.
E eu, tendo mais instinto, tenho menos liberdade?
Nasce uma fera e, com a pele respingada de belas manchas, que lembram estrelas.
Logo, atrevida e feroz, a necessidade humana lhe ensina a crueldade, monstro de seu labirinto.
E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade?
Nasce um peixe, aborto de ovas e Iodo e, feito um barco de escamas sobre as ondas, ele gira, gira por toda parte, exibindo a imensa habilidade que lhe dá um coração frio.
E eu, tendo mais escolha, tenho menos liberdade?
Nasce um riacho, serpente prateada, que dentre flores surge de repente e de repente, entre flores se esconde onde músico celebra a piedade das flores que lhe dão um campo aberto à sua fuga.
E eu, tendo mais vida, tenho menos liberdade?
Assim, assim chegando a esta paixão, um vulcão qual o Etna quisera arrancar do peito, pedaços do coração.
Que lei, justiça ou razão pôde recusar aos homens privilégio tão suave, exceção tão única que Deus deu a um cristal, a um peixe, a uma fera e a uma ave?
 

                                                                           Calderón de la Barca